Quando um filhote chega à sua primeira consulta e aparece alguma coisinha — uma descamação, um ácaro de ouvido, um sinalzinho de dermatite ou uma infecção leve — às vezes alguém solta aquela frase automática: “filhote de criadouro é assim mesmo…”
A frase vem com um tom que parece dizer que esses animais seriam “menos cuidados”, “abandonados à própria sorte” ou até vítimas de maus-tratos. Mas essa ideia não só é injusta — como ignora completamente a ciência por trás da saúde de populações felinas.
A resposta é simples: mais gatos juntos = mais oportunidades de transmissão.
E isso vale para qualquer lugar:
Aliás, basta olhar os dados:
Com 2 gatos, o risco já dobra — porque um pode transmitir parasitas, vírus e fungos ao outro de forma muito mais rápida.
Com 5 gatos, já se aproxima do que os estudos consideram o “ponto crítico” para risco de surtos: mais interações, mais latas de areia compartilhadas, mais superfícies, mais secreções e mais circulação de agentes infecciosos.
E isso é verdade em qualquer ambiente — inclusive lares amorosos, limpos e dedicados.
Segundo diretrizes internacionais de manejo sanitário felino, grupos maiores exigem protocolos mais rígidos de higiene, vacinação e quarentena, justamente porque o simples fato de coexistirem aumenta a probabilidade de contágio.
Estudos epidemiológicos também mostram que doenças respiratórias, parasitárias e fúngicas são mais prevalentes em populações multigatos — independentemente de serem de abrigo, casa comum ou criadouro. É biologia, não negligência.
A lógica deveria ser exatamente a mesma que usamos para casas com muitos gatos: grupos aumentam risco, e isso não significa falta de cuidado.
Mas muitas vezes, quando o filhote vem de criadouro, o julgamento vem antes da lógica científica.
Existem criadouros que fazem tudo como manda a literatura:
Esse tipo de manejo reduz muito a entrada de novos agentes infecciosos no ambiente. E, ironicamente, muitos filhotes de criadouro acabam tendo menos exposição a riscos do que gatos que vivem em casas com vários animais, ou que convivem com gatos que têm acesso externo.
Populações felinas maiores apresentam maior risco de doenças infecciosas, mesmo com boa higiene.
A probabilidade de parasitas internos e externos é significativamente maior em ambientes com múltiplos gatos.
Protocolos de biossegurança e manejo populacional são a chave para manter grupos saudáveis, seja em criadouros ou residências.
Nada disso aponta para “culpa”, “descuido” ou “abandono” — apenas para fatores epidemiológicos naturais em qualquer ambiente com vários gatos.
Em vez de repetir uma frase pejorativa como “filhote de criadouro é assim mesmo”, que machuca quem trabalha com responsabilidade e ama seus animais, podemos adotar um olhar mais cuidadoso:
Um filhote pode apresentar um probleminha inicial vindo de qualquer ambiente com mais de um gato.
Isso não significa negligência; significa que gatos são seres vivos sujeitos a doenças transmissíveis.
O que importa é o manejo, a transparência e o cuidado contínuo — e isso criadouros sérios têm de sobra.
Com informação, carinho e respeito, conseguimos ver que a saúde felina é um tema complexo — e que julgamentos simplistas nunca contam a história toda.