Quando um filhote chega à sua primeira consulta e aparece alguma coisinha — uma descamação, um ácaro de ouvido, um sinalzinho de dermatite ou uma infecção leve — às vezes alguém solta aquela frase automática: “filhote de criadouro é assim mesmo…”

 

A frase vem com um tom que parece dizer que esses animais seriam “menos cuidados”, “abandonados à própria sorte” ou até vítimas de maus-tratos. Mas essa ideia não só é injusta — como ignora completamente a ciência por trás da saúde de populações felinas.

 

O que realmente aumenta o risco de doenças?

 

A resposta é simples: mais gatos juntos = mais oportunidades de transmissão.

E isso vale para qualquer lugar:

  •  Criadouros sérios,
  •  Abrigos,
  •  Lares temporários,
  •  E também residências comuns onde há vários gatos.

Aliás, basta olhar os dados:

 

Com 2 gatos, o risco já dobra — porque um pode transmitir parasitas, vírus e fungos ao outro de forma muito mais rápida.

 

Com 5 gatos, já se aproxima do que os estudos consideram o “ponto crítico” para risco de surtos: mais interações, mais latas de areia compartilhadas, mais superfícies, mais secreções e mais circulação de agentes infecciosos.

 

E isso é verdade em qualquer ambiente — inclusive lares amorosos, limpos e dedicados.

Segundo diretrizes internacionais de manejo sanitário felino, grupos maiores exigem protocolos mais rígidos de higiene, vacinação e quarentena, justamente porque o simples fato de coexistirem aumenta a probabilidade de contágio.

Estudos epidemiológicos também mostram que doenças respiratórias, parasitárias e fúngicas são mais prevalentes em populações multigatos — independentemente de serem de abrigo, casa comum ou criadouro. É biologia, não negligência.

 

Então por que culpar automaticamente um criadouro?

 

A lógica deveria ser exatamente a mesma que usamos para casas com muitos gatos: grupos aumentam risco, e isso não significa falta de cuidado.

Mas muitas vezes, quando o filhote vem de criadouro, o julgamento vem antes da lógica científica.

 

E quando o criadouro é responsável, o cuidado é redobrado

 

Existem criadouros que fazem tudo como manda a literatura:

  1.  Os gatos não têm acesso à rua,
  2.  Não têm contato com gatos externos,
  3.  O contato com pessoas é controlado,
  4.  Profissionais vêm até o local, evitando trânsito desnecessário,
  5.  Só saem para clínica ou laboratório em casos realmente indispensáveis,
  6.  Há protocolos sérios de vacinação, vermifugação, higiene, quarentena e controle sanitário.

Esse tipo de manejo reduz muito a entrada de novos agentes infecciosos no ambiente. E, ironicamente, muitos filhotes de criadouro acabam tendo menos exposição a riscos do que gatos que vivem em casas com vários animais, ou que convivem com gatos que têm acesso externo.

 

E os dados científicos confirmam tudo isso

 

Populações felinas maiores apresentam maior risco de doenças infecciosas, mesmo com boa higiene.

 

A probabilidade de parasitas internos e externos é significativamente maior em ambientes com múltiplos gatos.

 

Protocolos de biossegurança e manejo populacional são a chave para manter grupos saudáveis, seja em criadouros ou residências.

 

Nada disso aponta para “culpa”, “descuido” ou “abandono” — apenas para fatores epidemiológicos naturais em qualquer ambiente com vários gatos.

 

Uma visão mais gentil e justa

 

Em vez de repetir uma frase pejorativa como “filhote de criadouro é assim mesmo”, que machuca quem trabalha com responsabilidade e ama seus animais, podemos adotar um olhar mais cuidadoso:

 

Um filhote pode apresentar um probleminha inicial vindo de qualquer ambiente com mais de um gato.

 

Isso não significa negligência; significa que gatos são seres vivos sujeitos a doenças transmissíveis.

 

O que importa é o manejo, a transparência e o cuidado contínuo — e isso criadouros sérios têm de sobra.

 

Com informação, carinho e respeito, conseguimos ver que a saúde felina é um tema complexo — e que julgamentos simplistas nunca contam a história toda.